A vida é incerta, nada ocorre numa sequência exata e nem mesmo sabemos o que pode ocorrer nos próximos segundos.
Um amigo meu saiu de casa pra comprar um biscoito recheado no bar de esquina. Ao pisar na rua teve um ataque cardíaco e faleceu em poucos segundos. Uma amiga minha deixou uma moeda cair no chão e se abaixou pra pegar, bateu de cabeça com um rapaz que teve a mesma ideia que ela ao ver a coisinha dourada. Resultado: 2 filhos e uma leve dívida no banco por conta do financiamento da casa da família.
Lembro-me do momento exato há 22 anos… Dois jovens abraçados, olhando para um lindo monumento no Centro do Rio de Janeiro. Uma obra de arte de mais de 25 metros. Ela pousou seus braços morenos, poupados do sol carioca por um generoso protetor solar, em meus ombros. Naquela época não tinha tanta massa então ela provavelmente sentiu a pele tão castigada pelos intermináveis acampamentos e trabalhos forçados no serviço viril das forças armadas.
Eu tive aquele corpo em minhas mãos por algumas vezes. Ela era uma morena linda. Um metro e cinquenta e oito seios médios, do tamanho de mangas e bem desenhados. Cabelos negros, enormes, como rédeas que guiavam nossa cavalgada pelas noites em que passeamos pelos campos do prazer. Rosto de princesa hindu, olhos de amêndoa com um negro tão profundo que pareciam duas pedras de Ágata negra em sua extrema formosura. Ela era generosa, não era gorda, estava no seu peso ideal, mais tinha quadris largos e bochechas bem generosas.
Aquele encontro parecia ser mais um de vários que tivemos e teríamos, mais na verdade não era nem um pouco normal.
Era o último.
Eu não sabia… Mas meu instinto de homem estava batendo forte quando vi seu rosto triste, mesmo num momento tão alegre. Semanas inteiras de sexo louco, tesão desenfreado, um pouco de cada prática obscena que só os casais extremamente íntimos e com sintonia total poderiam proporcionar um ao outro… Talvez se soubesse não teria a levado para o centro do Rio… Talvez o encontro fosse para uma despedida a altura dos amantes em um quarto com vista para as estrelas, talvez aqueles abraços tivessem sido mais fortes, “abraços de urso” como ela falava… Talvez o último beijo tivesse levado um pedaço da sua alma e deixado uma lembrança de seu grande amante.
Nesses momentos o “se” se torna uma opção que nunca existiu. Gera expectativas que nunca serão atendidas e cria sensações irreais e idealizadas de situações que não ocorreram e nunca irão mais acontecer.
Porque ainda me martirizo? Porque ela era diferente? Será porque não tinha as restrições que as outras mulheres faziam questão de impor nas formas pouco convencionais de agradar a um homem? Será pelo corpo de mulher mesclado com detalhes de menina, que produziam sensações difíceis de serem esquecidas? Definitivamente não era paixão, um Ogro não se apaixona, até tenta mais talvez precisasse antes de um transplante de cérebro. Definitivamente não era o compromisso, já que ela não tinha intenção de ter algum tipo de vínculo.
Talvez seja o sentimento de posse, o maldito desapego tão complicado de ser exercido por um homem naquela idade.
Um beijo, um abraço, um carinho na nuca, por trás dos grandes, pesados e brilhantes cabelos… De sua boca aparece a verdade, mesclada com um choro contido, e esperança que eu aceitasse, mesmo depois de toda a conversa que sempre tivemos sobre honra, masculinidade e lealdade com os pares, pois ela ainda tinha correntes ligando sua alma.
Deveria aceitar? Não, pois sempre me coloquei na posição do meu semelhante.
O último beijo.
Foi bom enquanto durou.